Por Ligia Gabrielli
(Imagem ilustrativa)
Uma equipe internacional de cientistas, com participação de pesquisadores(as) do Campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade de Linköping, Suécia, e do Helmholtz Zentrum, Alemanha, desvendou um mistério que perdurava há mais de cinco décadas. Eles(as) demonstraram que uma reação química específica, a desaromatização oxidativa, pode explicar como a matéria orgânica na natureza desenvolve rapidamente uma complexidade e resistência à degradação notáveis. Essa descoberta, recentemente publicada na revista Nature, esclarece o papel fundamental dessas reações nos grandes sumidouros de carbono do planeta.
Quando uma folha se desprende de uma árvore e cai no chão, ela começa a se quebrar imediatamente. Antes de a matéria orgânica se decompor, ela consiste em algumas milhares de biomoléculas distintas comumente encontradas na grande maioria dos organismos.
A decomposição de uma folha passa por várias fases. Insetos e microorganismos passam a consumi-la, enquanto a luz solar e a umidade atmosférica afetam a folha, promovendo sua degradação. Em seguida, as moléculas da folha decomposta são transportadas para riachos, lagos ou rios. Porém, a matéria orgânica encontrada dissolvida na água não se parece mais com as biomoléculas das quais se originou. Transformou-se completamente numa complexidade muito maior, assim como o número de moléculas distintas que são encontradas também passa a ser mais elevado – ao ponto de sua composição química ser em grande parte desconhecida, exceto no que diz respeito aos grupos funcionais nas bordas das moléculas. Os mecanismos por trás destas transformações da matéria orgânica sempre foram um mistério, que intrigou pesquisadores(as) de todo o mundo durante mais de meio século.
“Esse tem sido o Santo Graal no meu campo de pesquisa há mais de 50 anos. Agora podemos elucidar como algumas milhares de moléculas na matéria viva podem dar origem a milhões de moléculas diferentes que rapidamente se tornam muito resistentes à degradação adicional”, diz Norbert Hertkorn, professor emérito em Química Analítica no Helmholtz Zentrum em Munique e atualmente pesquisador visitante na Universidade de Linköping, Suécia.
Os(As) pesquisadores(as) descobriram que um tipo específico de reação, conhecido como desaromatização oxidativa, leva a uma cascata de reações alternativas subsequentes, resultando em milhões de moléculas diversas. Anteriormente, os(as) cientistas acreditavam que o caminho para a matéria orgânica dissolvida envolvia um processo lento com muitas reações sequenciais. No entanto, este estudo sugere que a transformação ocorre de forma relativamente rápida.
“A chave por trás das descobertas foi o uso não convencional de uma técnica analítica chamada ressonância magnética nuclear (NMR), de forma a permitir estudos do interior profundo de grandes moléculas orgânicas dissolvidas – mapeando e quantificando assim o ambiente químico em torno dos átomos de carbono”, explica Alex Enrich Prast, professor do Instituto do Mar do Campus Baixada Santista da Unifesp (IMar/Unifesp) e coautor do estudo. O conceito de desaromatização oxidativa tem sido estudado e extensivamente aplicado na síntese farmacêutica, mas a sua ocorrência natural permaneceu inexplorada. Este processo altera a estrutura tridimensional de alguns componentes da biomolécula, que por sua vez pode ativar uma cascata de reações seguintes, dando origem a compostos inteiramente novos. Tudo isso deixa vestígios de como a rede de átomos de carbono está ligada entre si e a outros tipos de átomos.
“A compreensão deste processo esclarece por que uma fração tão grande das biomoléculas, que em muitos casos deveriam ser facilmente degradadas, é rapidamente transformada e torna-se resistente à degradação. Deveríamos ficar satisfeitos com a desaromatização oxidativa, porque aumenta o armazenamento de carbono, ou seja, os sumidouros de carbono na Terra”, afirma David Bastviken, professor de Mudanças Ambientais da Universidade de Linköping, Suécia.
Os(As) pesquisadores(as) examinaram matéria orgânica dissolvida de quatro afluentes do rio Amazonas e de dois lagos boreais na Suécia. Notavelmente, independentemente do clima, a estrutura fundamental da matéria orgânica dissolvida, revelada pela RMN, permaneceu consistente.
Uma das grandes surpresas reveladas foi a elevada fração de átomos de carbono que estavam ligados a outros três átomos de carbono e a um átomo de oxigênio na matéria orgânica dissolvida. Isto contrasta fortemente com as biomoléculas, onde tais átomos de carbono são muito raros e a maioria dos carbonos está ligada principalmente a átomos de hidrogênio e oxigênio.
A alta abundância desses átomos de carbono ligados a três outros carbonos e um oxigênio, em combinação com uma fração maior do que o esperado de carbonos ligados a quatro outros carbonos, torna a matéria orgânica estável, permitindo-lhe persistir por muito tempo e impedindo-a de ser degradada e, portanto, retornar para a atmosfera como dióxido de carbono ou metano. Segundo o professor Prast, o processo de desaromatização oxidativa é a chave para essa estabilidade. “Numa era de mudanças globais, esta descoberta explica por que ocorre um armazenamento substancial de carbono no nosso planeta, incluindo os oceanos, é sequestrado da atmosfera por longos períodos”, conclui Alex Enrich Prast.
O estudo recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Fundação Alexander von Humboldt e das agências suecas Vetenskapsrådet e Formas.