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Anfetaminas de prescrição, como a dexanfetamina e os sais mistos de anfetaminas, estão associadas com melhores desfechos no tratamento de pacientes com dependência de cocaína, de acordo com uma revisão sistemática e metanálise conduzida em parceria entre pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade de Columbia e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), que foi publicada na revista científica Psychopharmacology.
Após décadas de pesquisa e ensaios clínicos de medicamentos candidatos com potencial que não confirmavam as expectativas, a dependência de cocaína ainda não possui tratamento farmacológico bem estabelecido. Medicamentos prescritos com efeitos psicoestimulantes que imitam os efeitos farmacológicos da cocaína são considerados promissores há décadas, com base em estudos pré-clínicos e no sucesso de abordagens com a mesma lógica para o tratamento da dependência de opioides e de nicotina. Diversos ensaios clínicos testaram esse grupo de medicações no tratamento da dependência de cocaína e, agora, esta metanálise oferece alto nível de evidência de eficácia das anfetaminas de prescrição médica para uma série de desfechos.
Essa metanálise atualizada combinou resultados de 38 ensaios clínicos controlados (26 em pacientes com dependência de cocaína) e incluiu estudos publicados com metodologia adequada para sanar antigos problemas, como o uso de recursos para reduzir o absenteísmo dos pacientes, doses mais altas de medicamentos e formulações de liberação prolongada. Além disso, teve como foco os psicoestimulantes de prescrição mais potentes, as anfetaminas, o metilfenidato e o modafinil.
“Os psicoestimulantes, e especificamente as anfetaminas sob prescrição médica, têm uma longa história de testes clínicos e, embora alguns estudos tenham encontrado resultados positivos, a maioria dos estudos foi muito prejudicada por altas taxas de abandono e questões metodológicas. Além disso, não havia evidências conclusivas que apoiassem essa abordagem de tratamento", afirma o primeiro autor do estudo, Vitor Tardelli, psiquiatra. A pesquisa faz parte do trabalho de doutorado que ele vem desenvolvendo na Unifesp.
“O estudo constatou que os pacientes tratados com anfetaminas prescritas tiveram quase duas vezes e meia mais chances de atingir três semanas de abstinência quando comparados aos tratados com placebo e maior duração da abstinência. Além disso, os psicoestimulantes de prescrição médica foram mais eficazes quando utilizados em doses mais altas, provavelmente, devido às alterações no funcionamento cerebral causadas pelo uso crônico da cocaína”, explica o psiquiatra Thiago M. Fidalgo, professor da Unifesp e orientador do estudo. A revisão também encontrou um benefício significativo de psicoestimulantes no aumento da duração da abstinência, no entanto, nenhum dos medicamentos avaliados melhorou a retenção no tratamento.
Adam Bisaga, professor de psiquiatria da Universidade de Columbia, um dos autores do estudo, acrescenta: “Os resultados desse estudo apoiam fortemente o uso de anfetaminas prescritas, fornecidas como preparações de liberação prolongada, para produzir abstinência sustentada da cocaína em um grupo selecionado de pacientes dependentes. Atualmente, os programas de tratamento oferecem principalmente tratamento comportamental e o uso de uma medicação de eficácia comprovada a esse tratamento deve aumentar as taxas de sucesso”.
Outra descoberta interessante foi que os psicoestimulantes foram particularmente eficazes em pacientes com transtorno concomitante de cocaína e uso de opióides. Isso pode ser devido ao fato de os pacientes com dependência de opióides serem geralmente incluídos em programas de tratamento que incluem atendimento diário, ingestão supervisionada de medicamentos e intervenções psicossociais. No entanto, esse modelo de atendimento geralmente não é oferecido para pacientes com transtorno por uso de cocaína.
“Muitos países em desenvolvimento lutam com o ônus da cocaína e outros usos de psicoestimulantes. A falta de tratamentos farmacológicos disponíveis para o transtorno do uso de estimulantes representa uma limitação frustrante para os formuladores de políticas. Este estudo abre uma nova perspectiva para conceber um modelo de atendimento baseado em terapia de substituição combinada com abordagens psicossociais baseadas em evidências, como manejo de contingências, para pacientes dependentes de cocaína e talvez outros estimulantes. Um modelo que pode ser semelhante ao da metadona, amplamente disponíveis em muitos países ", diz Gilberto Gerra, chefe do Departamento de Prevenção e Saúde das Drogas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e co-autor do estudo.
Os outros autores do trabalho são Frances Levin, da Universidade de Columbia, e Felipe Arcadepani, da Unifesp.