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Quarta, 07 Dezembro 2016 13:21

Recursos em tempo de crise

Juliano Quintella Dantas Rodrigues é doutor em Ciências pela EPM/Unifesp, foi presidente da APG/Unifesp (2010-2012) e diretor da ANPG (2012-2014)

Julio Alves da Silva Neto é mestre em Ciências pela EPM/Unifesp, foi diretor da APG/Unifesp (2011-2012) e da ANPG (2010-2012).

Mapa mundial

Em momentos de crise, impõe-se a necessidade de se refletir sobre as alternativas para o desenvolvimento de pesquisas. No Brasil, a produção acadêmica e científica no âmbito da pós-graduação enfrenta, entre outros fatores, a redução de investimentos e cortes orçamentários nas pastas da educação, ciência e tecnologia e inovação tecnológica. Como sobreviver a essa difícil realidade? Qual caminho podemos perseguir ou construir? Sem o programa Ciência sem Fronteiras, como poderemos internacionalizar?

Aqui colocaremos algumas sugestões para colocar à prova nossa resiliência e fazer nossa pesquisa sobreviver diante da carência de recursos. A sugestão permeia os diversos programas de internacionalização existentes pelo mundo. Vamos começar.

O Human Frontier, o Fulbright e a Pew são provenientes de agências sediadas nos Estados Unidos, nas quais sempre há editais abertos para todas as categorias de pesquisa (da iniciação cientifica ao pós-doutorado). A EducationUSA é a fonte oficial sobre estudo e afiliada ao Departamento de Estado dos Estados Unidos. Na Feira EducationUSA se tem contato direto com representantes que vão ajudar o interessado a se informar sobre os mais diversos tipos de programas de estudo no país: cursos intensivos de inglês, cursos de curta duração, graduação, pós-graduação profissional, mestrado e doutorado.

O objetivo das agências é financiar projetos de pesquisa e facilitar sua vinculação a algum orientador/supervisor em universidades. No âmbito das Américas, o Canadá também tem a experiência de lançar editais para oferecer bolsas de estudo.

Existem diversos programas nos países da Europa, como a Alemanha, que tem a agência DAAD, com escritório no Brasil, Inglaterra, Suécia, Suíça, Espanha, Itália, entre outros. Para encontrar as agências relacionadas com cada país da Europa, sugerimos o site Passaporte Mundo.

As regras são, basicamente, como as americanas: escrever um projeto e ter um aceite de um orientador.

Programas nacionais gerenciados pela iniciativa privada como a Fórmula Santander, a fundação Estudar e a Bayer também divulgam auxílio à pesquisa no exterior. O rito é a inscrição após lançamento de editais disponíveis para todas as categorias de pesquisador. Em algumas capitais, como São Paulo e Brasília, há feiras para promover o estudo no exterior. Elas promovem uma série de palestras sobre diversos temas, como morar, estudar e trabalhar no exterior.

Publicado em Edição 07

Carolina R. Córdula
Pós-Doc do Programa de Biologia Molecular da Unifesp

Crianças e professora sentadas em círculo, mexendo com plantas

Estudantes participam de oficina sobre meio ambiente, ministrada pela Prof.ª Aline Mendes

O conceito de extensão universitária ainda me era confuso quando ingressei na universidade. Somente tive oportunidade de vivenciar tais ações em toda sua magnitude na pós-graduação. Durante o mestrado e doutorado, fui orientada pela professora Helena Nader dentro do Programa de Pós-graduação em Biologia Molecular da Unifesp. Em 2008, ela convocou os alunos de pós-graduação, técnicos e docentes para propor a remontagem de um curso de atualização para professores de Ciências e Biologia do ensino básico da rede pública (denominado Papem, à época). O curso já havia acontecido em 1999 e em 2002, como resultado final de um curso de didática para pós-graduandos, coordenado pela professora Marimélia Porcionatto.

Na edição de 2002, o Papem foi selecionado pelo governo do Estado de São Paulo para capacitar os professores dentro do Programa Pró-Ciências. Ao final dele, foi proposto aos professores-cursistas o planejamento e execução de uma atividade com seus estudantes cujo tema estivesse ligado a temas discutidos durante as aulas. Após dois meses, os professores retornaram com os resultados. Na edição de 2011, os 41 professores-cursistas atingiram 2.290 alunos com atividades práticas em laboratórios, peças teatrais, produção de materiais didáticos, etc. Com o sucesso, o Papem tornou-se anual, desde 2008, e não paramos mais de atuar em cursos e oficinas para estudantes e professores. No mesmo ano, passamos a integrar a Rede Nacional de Educação e Ciência, que reúne atualmente 30 grupos em 19 universidades de renome por todo o Brasil.

A Rede Nacional de Educação e Ciência é um programa que visa à melhoria das condições de ensino de Ciências à jovens carentes de todo o país, buscando diferentes maneiras de se ensinar e praticar ciência, desmistificando-a. A iniciativa deste projeto deve-se ao prof. Leopoldo de Meis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que, no final dos anos 1980, realizou os primeiros cursos. Quando começou a organizar cursos de férias para jovens de baixa renda da periferia do Rio de Janeiro, percebeu que alguns deles se destacavam pelo interesse e dedicação aos experimentos. Esses jovens talentosos foram convidados, então, a estagiar em seu laboratório, sob a supervisão de estudantes de pós-graduação. 

O curso acontece nesse formato até hoje.Nele os selecionados são familiarizados com o trabalho científico e ajudam seus monitores no desenvolvimento de pesquisas. Nessa relação, ainda é possibilitado ao pós-graduando um maior contato com a realidade social brasileira. Segundo a professora Vivian Rumjanek, da UFRJ e integrante da Rede, 91% dos alunos cursistas já completaram o ensino médio, 53% dos jovens entraram na universidade e 11,6% fazem ou fizeram pós-graduação. Além disso, um ex-aluno fez pós-doutorado na Escola de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Várias outras ações são desenvolvidas pelos integrantes da rede, de acordo com a realidade de cada universidade participante. Em todos os grupos que a integram, a atuação dos estudantes de pós-graduação é absolutamente essencial para realização das atividades.

No ano de 2009, Helena Nader, à época vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – que atualmente a preside –, Marimélia e mais quatro pós-graduandos (incluo-me nesse grupo) se reuniram para montar uma oficina de Biologia direcionada a estudantes do ensino fundamental e médio que participariam da Reunião Regional da SBPC em Tabatinga, no meio da selva amazônica, a 1.105 km de Manaus, na fronteira com a Colômbia e o Peru. Para nós, uma incrível aventura e imersão cultural que transformaria nossa visão de Brasil e de mundo. 

Montamos a oficina com o título Vivenciando a Biologia na quadra esportiva da Escola Estadual Pedro Teixeira e recebemos todas as escolas municipais de Tabatinga, além de algumas escolas da cidade colombiana de Letícia e da comunidade indígena Ticuna. 

Na oficina, abordamos temas como saúde pública, nutrição, meio ambiente, sustentabilidade e biologia dos seres vivos, com observação de células ao microscópio, extração de DNA de frutas e identificação de proteínas em alimentos. Com a oficina estruturada, começamos a ministrá-la nas reuniões regionais e nacionais da SBPC, desde 2009 até os dias de hoje. Já estivemos em Recife (PE), Cruz das Almas (BA), Natal (RN), Goiânia (GO), Mossoró (RN), São Luís (MA), Oriximiná (PA) e Manaus (AM). Em 2010, submetemos o projeto para ao edital do Programa Novos Talentos, da Capes, sob a coordenação da Marimélia, permitindo-nos expandir o número de oficinas realizadas, de pessoas envolvidas com o projeto e de lugares alcançados em todo país. 

De olho na integração da educação básica com a pós-graduação, o CNPq criou um edital destinado a bolsas de iniciação científica júnior para contemplar estudantes do ensino médio que fazem iniciação científica em universidades. Atualmente, o Programa de Pós-Graduação em Biologia Molecular da Unifesp possui 13 bolsistas nesta categoria.

Os pós-graduandos que, além da pesquisa, se envolvem em atividades de ensino e extensão, mesmo pressionados por prazos e cobranças focadas na produção científica, desenvolvem maior autonomia e consciência social, tornam-se profissionais que desejam e são capazes de contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária, por meio da ação de educar, de divulgar e despertar a curiosidade de jovens e adultos pela ciência. O deslumbramento de uma criança ao vivenciar a ciência é um momento mágico. Não há recompensa maior.

Publicado em Edição 06

Carolina Córdula
Pós-doutoranda pelo programa de Biologia Molecular

De 12 a 18 de julho deste ano aconteceu a 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em São Carlos, município localizado no Estado de São Paulo. São Carlos é um importante polo tecnológico, educacional e industrial, que abriga, além de uma universidade federal (UFSCar), dois campi da USP, um instituto federal de educação profissional e tecnológica (IFSP), uma Fatec e o Centro Universitário Central Paulista (Unicep); várias empresas multinacionais, como a Volkswagen, Electrolux e Faber-Castell, estão também ali sediadas. Este ano o desafio da sociedade científica, em um local onde o conhecimento é rotineiramente produzido e aplicado, foi, portanto, outro: atrair e estimular a participação da comunidade na discussão e prática da ciência. Despertar a curiosidade da criança e do adolescente, chamar a atenção dos jovens universitários, provocar os pais, tios e avós. E pode-se dizer que, mais uma vez, a SBPC triunfou na realização de um evento, cuja programação científica, com 6.378 inscritos – entre eles, cientistas, estudantes, professores e gestores de pesquisa e desenvolvimento ligados ao governo e a empresas privadas –, contou também com a participação maciça da comunidade, principalmente no último dia, intitulado Dia da Família na Ciência. Dentro de imensas tendas climatizadas e decoradas, realizaram-se vários experimentos; da Astronomia à Biologia, da Arqueologia à Física, crianças e jovens testaram as leis da natureza e colocaram a mão na massa, discutiram como o corpo funciona, o que é fluorescência, qual a importância do ciclo da água, o que é DNA, como montar um robô. Não foi só uma tarde de diversão e brincadeiras, foi também o despertar de futuros cientistas.

Além das exposições da SBPC Jovem, 60 conferências, 74 mesas e 52 minicursos abordaram a ciência nos mais diversos âmbitos, como Medicina, políticas públicas, biodiversidade, Astronomia, indígenas, educação, biotecnologia, luz etc. Dentre todos esses temas, a atual crise econômica protagonizou muitas discussões. A crise econômica, que chega tardiamente a nosso país, e a crise política associada apresentam-se como dificuldades que exigem alternativas inovadoras, provenientes do governo e também da sociedade. A ciência e a educação brasileiras, áreas estratégicas para o desenvolvimento, estão sofrendo perigosos cortes de orçamento, afetando – no segundo caso – desde a educação básica até o ensino superior. O governo cortou 9 bilhões no orçamento do Ministério da Educação e luta para preservar programas como o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), o Ciência sem Fronteiras, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência). Só este ano o Fies sofreu o corte de mais da metade das novas bolsas em relação ao ano passado, e o Pronatec, o corte de dois terços do orçamento. Políticas para a ciência e educação foram amplamente discutidas, e o que se viu foi uma grande inquietação acerca das decisões governamentais.

Uma preocupação recorrente da SBPC tem sido a discussão sobre inovação tecnológica – como aproximar ciência e tecnologia da atividade econômica. Academia e indústria juntas inovam, e a economia se torna competitiva. Inovar é criar soluções criativas, inteligentes, úteis para um determinado momento. Diante de um problema (uma crise), inova quem faz diferente, quem arrisca e faz algo a mais. Inovar é arriscar.

Você, como pós-graduando, o que tem feito para ajudar na crise do sistema de educação brasileiro? A pesada maioria dos pós-graduandos desconhece o potencial de contribuição que pode oferecer ao país. Existe, entretanto, um trabalho com impacto tão alto e imediato quanto qualquer outro publicado na Nature ou Science: a atividade de divulgação científica em escolas do ensino fundamental e médio. A isso chamamos extensão. Teoricamente indissociável do ensino e da pesquisa acadêmica. Na condição de pós-graduanda que pratica a extensão, ao mesmo tempo em que desenvolve sua pesquisa, divulgar ciência nas escolas é inovador, porque sai do habitual, expande os horizontes, transforma. Resultado: desperta a vocação científica em crianças e jovens; desperta a consciência do pós-graduando acerca da educação pública e de nossas diferentes realidades, de nossa cultura diversificada, de nossa tolerância e, principalmente, de nosso lugar no mundo.

Para inovar é preciso sair da zona de conforto. Na SBPC Jovem a grande maioria dos expositores, oficineiros e monitores era constituída por estudantes do ensino médio, da graduação e da pós-graduação. Praticando divulgação científica. A SBPC proporciona esse tipo de espaço. Mas existem muitos outros, nas escolas e comunidades. Uma grande oportunidade de contribuir com o nosso país para a superação desta e de outras crises é atrair mentes e corações, crianças e jovens, para a ciência do futuro.

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67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em São Carlos, que reuniu crianças e adolescentes nas exposições da SBPC Jovem

Publicado em Edição 05

Juliano Quintella Dantas Rodrigues
Aluno de doutorado do programa de pós-graduação em Farmacologia

Henrique Camara
Aluno de mestrado do programa de pós-graduação em Biologia Molecular

Gabriel Andrade Alves
Jornalista, com doutorado em Ciências pela Escola Paulista de Medicina

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As recentes medidas econômicas da presidente Dilma para manter as contas equilibradas afetam, e muito, as universidades federais. A verdade é que não é possível ter ideia do atraso que será causado com o grande corte de verbas proposto pelo governo no ano de 2015.

A Unifesp é uma universidade em pleno processo de expansão. Para que sua estrutura e funções possam ser mantidas, são gastos cerca de R$ 680 milhões anualmente. No entanto, os recursos recebidos todos os anos são defasados em algumas dezenas de milhões de reais, e isso faz com que a universidade precise, repetidamente, de complementação de verba. Então vem a notícia do Palácio do Planalto de que haverá um corte na educação. Se não bastasse a tristeza que é receber tal novidade, imagine que o corte orçamentário do MEC está em 600 milhões por mês. Traduzindo, é como se o país perdesse, apenas em 2015, todo o empenho e a produção de uma universidade como a Unifesp durante mais de dez anos.

Claro, isso é mais grave se considerarmos que a Unifesp passa por um processo de expansão que ainda não chegou a seu auge. O que era prioridade para o governo (expandir o alcance das universidades federais) terá agora de ser feito de maneira capenga, após um corte em torno de 30% do orçamento. Será que chegaremos, de fato, à zona leste da capital?

Na área de pesquisa, vamos fazer um replanejamento no orçamento dos projetos. Os animais de experimentação terão de ser bancados e mantidos com o dinheiro para custeio do pesquisador, o que antes era garantido por verbas da universidade. O dinheiro que seria direcionado, por exemplo, para a compra de reagentes e a participação em congressos agora será investido na criação e manutenção dos animais.

Entre as áreas que prioritariamente sofrerão cortes estão as diárias e os contratos de prestadores de serviço. Sem o pagamento daqueles valores não é possível ter pesquisadores visitantes e, sem a prestação de serviços, como garantir o mínimo de estrutura necessária para fazer pesquisa? O ministro Aldo Rebelo (da Ciência, Tecnologia e Inovação) prometeu empenho em restaurar as verbas. Vamos, então, aguardar seus próximos pronunciamentos.

Por que brigar pela manutenção de verbas em um momento delicado das contas públicas como este? A verdade é que o Brasil ainda está muito atrasado. A educação insiste em permanecer entre as piores do mundo. No ranking do Fórum Econômico Mundial, o ensino de Matemática e Ciências no Brasil ocupa o 112º lugar entre 122 países avaliados.
Apesar da melhora sentida e reconhecida ao longo das últimas décadas na pesquisa científica, estamos entre os mais ineficientes do mundo. No ranking elaborado pela revista Nature, nossa eficiência (trabalhos publicados em revistas de prestígio em proporção ao dinheiro investido) é pior que a de países como o Paquistão e o Irã.

O Brasil só será uma potência econômica quando nossos dirigentes e a sociedade civil aceitarem a ideia de que ciência e educação são investimentos, e não gastos.

Perder verbas na educação e no sistema de ciência, tecnologia e inovação para ganhar “leveza orçamentária” é a mesma coisa que serrar uma perna para perder peso. Como vamos ganhar a corrida em busca de um país desenvolvido se dar um passo já é tão difícil e doloroso?

A melhor atitude que Dilma poderia tomar é ser menos autoritária e discutir com os representantes de associações e movimentos sociais a maneira correta de conter verbas, e não atrasar – em “medida imensurável” – o desenvolvimento do país.

Publicado em Edição 04
Terça, 11 Novembro 2014 15:32

O dilema da ciência básica

Karina Possa Abrahão
Biomédica pela Unifesp e PhD. Atualmente ocupa a posição de pós-doutora no National Institutes of Health (NIH), nos EUA, onde trabalha com modelos usuais de animais em relação à dependência química e alterações de plasticidade sináptica. 

Não rara é a discussão sobre o desenvolvimento científico de um país, as implicações sociais da ciência, as melhorias tecnológicas e, obviamente, o dinheiro investido em tudo isso. Ainda assim, vale pontuar que a ciência básica vislumbra aumentar o conhecimento humano de como os seres vivos e o universo funcionam. Para mim, o combustível essencial para a ciência é a curiosidade. E só! Sabendo disso, chegamos a um ponto delicado: a ciência básica, pelo menos inicialmente, não se preocupa com a aplicabilidade ou com o desenvolvimento de melhorias para a sociedade.

Acredito que exista a consciência sobre a importância da ciência básica. Então, por que será que artigos ressaltando o perigo que corremos com a diminuição de verbas para o desenvolvimento da ciência básica são cada vez mais frequentes? Haja vista o recente artigo na revista PNAS, de autoria de Bruce Alberts e outros importantes cientistas. Apesar dessa consciência, a grande maioria das pessoas tem uma afinidade muito maior com a bandeira da aplicabilidade, da causa social e da solução dos problemas da humanidade.

O fato é que o resultado da ciência básica é imprevisível. O uso do conhecimento básico para futuras aplicações pode ser feito por qualquer cientista, em qualquer lugar do mundo, a qualquer momento. Isto significa que o investimento na ciência básica em um país pode desencadear um avanço tecnológico em outro. Mesmo assim, o país que domina a ciência básica apodera-se dos fundamentos, dos conhecimentos, das tecnologias e, acima de tudo, dos recursos humanos que a desenvolveram. Com esse arsenal fica fácil usufruir do conhecimento básico para prosperar em sua aplicabilidade.

Observemos a situação sob a perspectiva dos Estados Unidos, os maiores investidores em ciência básica nos últimos anos e também os maiores usuários dela. Se contabilizarmos o sucesso científico de um país pelo número de prêmios Nobel, patentes, publicações, cientistas, retorno financeiro etc., verificaremos que os Estados Unidos usufruem significativamente do investimento que fazem no conhecimento fundamental, mesmo que este seja, em si, baseado na pura curiosidade.

Um exemplo simples! Quando iniciado o projeto do genoma humano, sabíamos muito pouco sobre quais seriam as possíveis aplicações de tal conhecimento. Nem cogitávamos qual seria o retorno financeiro para os milhões de dólares que estavam sendo gastos. O projeto do genoma humano proporcionou um retorno sobre o investimento de 141 para 1, ou seja, para cada dólar gasto no projeto, 141 dólares foram gerados. Não precisamos ser economista para nos impressionarmos.

Acontece que o sistema americano também entrou em um fluxo contínuo de diminuição de investimento em ciência. Primeiro, porque o país vive uma crise econômica e, segundo, porque mudou diversos de seus objetivos sociopolíticos. O fato é que, se há alguns anos a idade para um cientista conseguir o primeiro financiamento independente era – em média – de 38 anos, em 2010 a média subiu para 47 anos: “Uma geração de cientistas está sendo massacrada pelos cortes financeiros aos quais a ciência básica é submetida”, foi o que disse Stephen Desiderio, diretor do Johns Hopkins Institute. E digo que, quando esses cortes são mantidos, uma década passa a ser o tempo de atraso do avanço científico.

Tanto lá quanto aqui, o investimento financeiro em ciência é pauta de discussão de botequins a agências financiadoras. Os cientistas dizem que ele não é suficiente, o governo diz que faz o que pode! E esse é um problema moderno, uma vez que no passado a ciência era feita com dinheiro, muitas vezes, particular: Josef Breuer, por exemplo, apesar de ter sido um famoso e bem-sucedido médico e um dos pais da psicanálise, tinha um laboratório de pombos em sua casa. Acredito que a internacionalização do investimento científico em pesquisa básica possa ser uma saída. Muitos me apontarão o dedo e dirão que vivo na utopia, mas vários problemas de saúde pública – tratados como metas primordiais internacionais – são financiados pela Organização Mundial da Saúde, por exemplo. Por que não a ciência básica? Fica a sugestão!

Ainda não encontrei em reportagens e publicações a solução sobre o balanço ideal de investimento financeiro em ciência que um país deve adotar. O que sei é que, para o sistema científico funcionar por completo, parte desse investimento deve ser guardado para a ciência pura, fundamental e básica. Como bem colocado pelo genial Michael Faraday, podemos não saber agora para o que serve determinada descoberta, mas também não sabemos qual será a evolução de um bebê depois que nasce. Certamente saberemos no futuro.

O que podemos fazer? Divulgar a ciência básica a toda a população, divulgar sua importância, incentivar a curiosidade científica entre todos. Se o dinheiro público, no mundo ideal, é administrado por um governo representativo democrático, ele deve ser investido naquilo que a sociedade julga importante. Que seja uma decisão baseada em fatos científicos, exemplos reais e ideais significativos. Nada mais consistente do que a ciência desenvolvida a partir do conhecimento básico e dirigida a partir de uma característica cognitiva fundamental: a curiosidade.

Desenho de uma estrada, ao lado dela há uma placa de sinalização com o símbolo de interrrogação
Publicado em Edição 03

Natanael P. Leitão Júnior
Presidente da APG - Unifesp - Gestão Acolligere
Aluno de doutorado do programa de pós-graduação em Microbiologia e Imunologia

Pode ser maçante para muitos leitores desta publicação discutir, mais uma vez, sobre como a educação é negligenciada no país e sobre a falta de valorização dos pesquisadores e dos estudantes de pós-graduação. Afinal, todos sabemos disso: não se trata de uma revista destinada ao público geral, e sim de uma revista universitária lida por intelectuais com conhecimento de causa. Mas acredito que alguns, há muito tempo, não veem esse problema sob a ótica do pós-graduando. Outros, ainda, poderão ter seus anseios profissionais externados neste texto.

Diante de estudos técnicos que avaliam o cenário da educação do Brasil e suas perspectivas, a opinião de um leigo que está dentro do turbilhão, sem saber direito como vai sair dele, pode fornecer uma visão realista e muito preocupante. Vejamos.

É comum que os estágios iniciais da educação sejam tratados como prioridade pela mídia e por estudiosos. Com as discussões sobre cotas raciais em evidência, o ensino superior tem sido alvo de interesse recente, e políticas que o contemplem foram frequentes nos últimos anos. Nesse cenário a pós-graduação é continuamente relegada a segundo plano, tanto pelos estudiosos quanto pela mídia e políticas governamentais – ao menos é isso o que percebo.

Formulei três perguntas que guiam este texto e toda a discussão a seguir. Com elas tentei focar a discussão na pós-graduação sob o ponto de vista do pós-graduando: a) O que leva o indivíduo a fazer pós-graduação? b) Qual a perspectiva do pós-graduando no Brasil? c) Qual a importância da pós-graduação para a sociedade?

Em relação à primeira pergunta faço uma importante distinção entre a pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Jornais e revistas de grande circulação anunciam que um curso de pós-graduação pode até duplicar o salário do funcionário, conforme a função exercida. Também ressaltam a possibilidade de promoção de cargo e até mesmo de mudança de emprego. Mas, em geral, os textos referem-se à pós-graduação lato sensu, cursos para os quais o estudante dedica parte de suas noites ou finais de semana, com o objetivo de aprofundar conhecimentos já adquiridos.

A pós-graduação stricto sensu demanda ao menos 40 horas semanais, dedicadas ao estudo de assuntos muitas vezes inéditos. É nesse pós-graduando que pretendo me deter. O que leva hoje, no Brasil, um indivíduo a fazer um curso de pós-graduação stricto sensu? Boa parte daqueles que entram nessa carreira o faz por aptidão e paixão, sem imaginar o que lhe espera no futuro. O que nos encaminha para a segunda pergunta.

Dentro do turbilhão referido, é difícil enxergar perspectivas. Mesmo visto de fora, o panorama não é dos mais animadores para o estudante de pós-graduação. Diante de um Estado sem política alguma de captação da especializadíssima mão de obra formada, o cenário pode ser ainda pior. Utilizando centros de pesquisa sem condições estruturais e tecnológicas adequadas, com salários defasados e cada vez mais insuficientes para viver nas grandes cidades, os profissionais da pós-graduação dependem de automotivação e amor ao trabalho.

Indivíduos com 30 anos de idade não têm garantia de estabilidade, plano de aposentadoria, benefício por tempo de trabalho e décimo terceiro salário, dentre outras vantagens mínimas conseguidas ainda durante os períodos iniciais de formação na maioria das profissões. O futuro do pós-graduando é incerto, não há garantia de que ocupará o tão almejado cargo de pesquisador no renomado instituto de pesquisa ou universidade. 

É comum ver dezenas de pessoas com diploma de doutorado submetendo-se a receber salários e a ocupar cargos inferiores ao nível que sua capacitação proporciona. É desesperador ver tantos bons pesquisadores – como os que estiveram comigo nos últimos anos – abandonarem a profissão eleita, por falta de um plano organizado e decente que contemple homens e mulheres em sua capacidade máxima de produção, ou oferecerem seus projetos e habilitações a outros países. Por que o governo investe tanto na formação dessas pessoas se não tem capacidade para assimilá-las e colocá-las em cargos condizentes com seu nível intelectual? Parece que nosso país tornou-se expert em capacitar profissionais para enviá-los a outros países ou descartá-los. 

A pós-graduação hoje é a força motriz geradora de ciência e tecnologia. Evidentemente, professores e pesquisadores dirigem todo o processo, e os servidores técnico-administrativos são peças fundamentais dessa engrenagem; os estudantes de pós-graduação, por sua vez, participam de todas as etapas da produção científica do país, desde o preparo de meios e soluções, incluindo-se a limpeza de laboratórios, até a preparação de projetos de pesquisa e redação de artigos científicos. 

São os futuros pesquisadores, as futuras “cabeças pensantes”, um excelente caminho para alavancar de fato o desenvolvimento econômico e social do país. Entretanto, aquele tem sido o tratamento recebido durante décadas. E esta é sua perspectiva profissional: a incerteza.

A pesquisa científica e a tecnologia são as grandes responsáveis pelo desenvolvimento da sociedade. Eu ocuparia a revista inteira falando apenas de alguns benefícios trazidos pelo avanço de ambas. Apenas para ilustrar, foram elas que desenvolveram os mais velozes meios de transporte e comunicação, que aumentaram a expectativa de vida da população, que aproximaram pessoas e nações e expuseram para o mundo as barbáries que acontecem nos confins. 

Precisamos de políticas que contemplem o indivíduo cujo objetivo é tornar-se pesquisador, que se dedica à pós-graduação profissionalmente, mesmo que seja por um período de estudos. Reconhecimento financeiro e melhoria da infraestrutura para a pesquisa é o mínimo necessário, além de um planejamento que possibilite realocação imediata após o término do doutorado. É insensato deixar à própria sorte quem poderá cuidar da sorte de todos.

Publicado em Edição 02

“A história da universidade é de heroísmo, de períodos longos de submissão e subserviência, que servem para ilustrar, orientar, criticar e engrandecer a função acadêmica”.

Edilson Dantas da Silva Júnior
Gabriel Andrade Alves
Juliano Quintella Dantas Rodrigues
Julio Alves da Silva Neto

Um dos fatores que norteiam a atuação da universidade moderna é a diversidade disciplinar e um tripé de atuação baseado no ensino, na extensão universitária e na pesquisa. Outra das premissas presentes é a autonomia. Isso se refere ao fato da instituição poder receber proventos governamentais e, a partir deles, direcionar os investimentos de acordo com suas próprias decisões (tomadas em órgãos colegiados).

Partindo do princípio da diversidade de atuação e de possuir elementos de democracia representativa, observa-se, por exemplo, uma grande luta para que dirigentes das universidades sejam eleitos a partir do voto universal e/ou paritário de todos os segmentos que compõem a instituição. É um assunto bastante polêmico que sempre está em pauta nas discussões acerca da governança da instituição.

Neste espírito de consolidar a representação discente e elevar a voz dos estudantes para as principais questões da nossa universidade é que surgiu, na década de 70, a Associação dos Pós- Graduandos (APG-EPM) que, na década de 90, transformou-se na APG-Unifesp, entidade tradicional na história da pesquisa e da construção de um Movimento Nacional de Pós-Graduandos e posteriormente da nossa entidade representativa nacional, a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

A APG-Unifesp é uma entidade civil, livre e independente, sem fins lucrativos, sem filiação partidária e de duração ilimitada, com sede e foro na cidade de São Paulo, na Rua Napoleão de Barros, 678. É a entidade legítima de representação do corpo discente dos cursos de pós-graduação, sensos lato e estrito, e pós-doutorado da Unifesp.

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Sérgio Tufik, professor titular do Departamento de Psicobiologia, liderou a fundação da APG-Unifesp

A APG da Unifesp foi fundada aos 26 dias de Agosto de 1976, na então Escola Paulista de Medicina, por um grupo de pós-graduandos liderados por Sérgio Tufik, hoje professor titular do Departamento de Psicobiologia. Na época não tínhamos uma sede e as reuniões ocorriam em espaços diversos da Escola Paulista de Medicina.

Após anos, durante o período em que o professor José Carlos Prates foi diretor da EPM, a sede foi cedida aos pós-graduandos. Sérgio Tufik também organizou o 1º Congresso Nacional dos Pós-Graduandos (CONAP). Nos dias 27 e 28 de Novembro de 1985 foi eleita a primeira diretoria da gestão 86/87, que registrou o estatuto da APG da Escola Paulista de Medicina, aprovado em assembleia na data de 10 de Outubro de 1985. Este passo foi fundamental para o reconhecimento jurídico de nossa associação. Neste ano os diretores da APG-EPM criaram a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), juntamente com pós-graduandos da UFRJ, PUC-SP e outras instituições. Durante muitos anos a ANPG ficou abrigada na sede da APG-EPM.

Outros antigos membros de destaque da APG são a professora Soraya Smaili, atual reitora da Unifesp e José Augusto Mochel. Ambos participaram da fundação da ANPG, sendo que a professora Soraya assumiu a presidência em 1989-1990. Dentre as conquistas da ANPG se destaca, por exemplo, o direito à licença-maternidade para pós-graduandas, conquista de sua última gestão, com participação fundamental de Soraya. Entre outras reivindicações, uma grande bandeira é a profissionalização da carreira de pesquisador no Brasil.

Dentre as funções da APG, temos: 1) representar oficialmente, junto à Unifesp, aos demais órgãos governamentais e perante a sociedade; 2) defender os interesses dos seus associados e garantir a consideração de suas reivindicações pelos poderes deliberativos competentes; 3) estimular a cultura em um senso amplo; 4) lutar pela melhoria das condições da pós-graduação no Brasil e por uma política científica voltada para os interesses nacionais e em benefício da população e 5) lutar, acima de tudo, pelo fortalecimento constante das instituições democráticas brasileiras.

O Brasil tem, recentemente, discutido muito a respeito de ciência e tecnologia como substratos para seu desenvolvimento. Precisamos usar essa oportunidade para fortalecer a pesquisa e as universidades brasileiras.

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Movimento realizado em maio de 2011 pautou o reajuste das bolsas de pós-graduação

Nesse contexto, a tarefa dos pós-graduandos é ainda árdua e longa. Além do trabalho cotidiano em busca do aperfeiçoamento técnico e científico precisamos usar os espaços de decisão da universidade em órgãos colegiados e em comissões. Ainda como desafio, temos que buscar construir o ambiente no qual queremos viver e conviver. Neste aspecto entram as possibilidades no mundo do trabalho, as oportunidades de pesquisa no Brasil e no exterior, as novas demandas sociais para a pesquisa, a internacionalização e os novos paradigmas na ciência, a necessidade de criarmos novas tecnologias e inovações nos processos sociais e de produção.

Na gama de questões que nos envolvem, nós da APG queremos convidá-lo a encarar este desafio, com compromisso social e sensibilidade. Queremos sempre melhorar nosso ambiente de estudo e trabalho, nossas vidas, e, por que não, o Brasil.

Publicado em Edição 01