Empreender é preciso
Empresas de base tecnológica podem compartilhar tecnologia com a indústria e trazer retorno financeiro à universidade
Atuação de empresas juniores é regulamentada pelo Consu
Empreendedorismo como instrumento de suporte social
Inscrições até 17/9
Estudantes do ICT/Unifesp são premiados em competição de empreendedorismo
Empresas juniores dão nova face ao empreendedorismo
Associações formadas por universitários complementam o ensino da sala de aula por meio da prática profissional e do desenvolvimento de competências conectadas às demandas do mercado
Valquíria Carnaúba

Evento de integração da Epeq Jr. 2014, realizado no auditório da Unidade José de Alencar (Campus Diadema)
É conhecido o significado mais comum para o termo “ecossistema”. Trata-se de uma unidade natural constituída de parte viva (plantas, animais e microrganismos) e de parte não viva (água, gases atmosféricos, sais minerais e radiação solar), que interagem entre si, formando um sistema estável. Paulo Lemos, doutor em Empreendedorismo Tecnológico e Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), transfere o modelo para o ambiente acadêmico, considerando-o como mais adequado para as universidades de pesquisa brasileiras.
Para Lemos, o conceito de ecossistema sintetiza a crescente integração das atividades de inovação e empreendedorismo à realidade acadêmica e organizacional de universidades no mundo todo. Sintoma dessa tendência é o surgimento cada vez maior de organizações como empresas juniores (EJs) – associações civis sem fins lucrativos, formadas e geridas por estudantes de curso superior.
Segundo dados do Censo e Identidade da Confederação Brasileira de Empresas Juniores (Brasil Júnior), nosso país tornou-se líder mundial no segmento de EJs, ultrapassando a quantidade de negócios do gênero desenvolvidos dentro de universidades em toda a Europa. Hoje, há mais de 11 mil jovens profissionais distribuídos por cerca de 280 universidades brasileiras, compondo 1.200 dessas entidades. É possível que esse número se expanda ainda mais com a sanção da Lei Federal nº 13.267/2016, cuja matéria prevê a normatização das EJs no país.
Responsáveis pela concentração de alunos interessados em desenvolver competências como empreendedorismo e liderança, as EJs funcionam como verdadeiros laboratórios onde os universitários podem galgar uma carreira e experimentar, durante o período de graduação, cargos que vão de trainee a presidente. Uma experiência, segundo o professor da Unicamp, que pode ser convertida em oportunidade na hora de ingressar na iniciativa privada, no setor público ou em instituições sem fins lucrativos.
Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), já existem oito dessas organizações, pulverizadas entre os diferentes campi e compostas por estudantes de diversos cursos. São elas: Empresa Paulista de Engenharia Química Júnior (Epeq Jr.), Pharminder Jr. Consultoria em Projetos Farmacêuticos, Principia Jr., BUD Jr. e Sustentare Jr., estabelecidas no Campus Diadema; Empresa de Ciência e Tecnologia Multidisciplinar Júnior (ECTM Jr.), no Campus São José dos Campos; Instituto do Mar Júnior (IMar Jr.), no Campus Baixada Santista; e Eppen Jr. Consultoria, no Campus Osasco.
Em entrevista à Entreteses, Lemos aborda pontos como ensino, empreendedorismo e inovação, passando pelos possíveis rumos das EJs nas instituições federais de nível superior e pelas políticas de inovação nas universidades públicas – a exemplo da Unifesp.
Entreteses - Qual a importância das empresas juniores (EJs) para a universidade pública e para o conhecimento?
Paulo Lemos - As EJs consistem em uma oportunidade de aprendizado complementar ao da sala de aula. Para compreender essa importância, cito o campo do empreendedorismo e da inovação. Um dos papéis exercidos pelas EJs consiste em funcionar como canal de expressão para competências como liderança, comunicação, relacionamento e capacidade gerencial. Nessas organizações, os estudantes podem fazer aflorar seus pontos fortes e envolver-se em práticas de gestão e empreendedorismo. Nelas, muitas vezes, é preciso simular situações de empresas reais, como a liderança de grupos e o desenvolvimento de uma atividade ou projeto.
E. A empresa júnior costuma formar-se em torno de determinadas áreas do conhecimento?
P.L. O surgimento das EJs em torno de áreas do conhecimento depende muito da configuração da própria universidade ou instituição de ensino superior onde elas estão sendo implementadas. Um exemplo: uma universidade com forte atuação nas áreas de Administração de Empresas, Economia ou desenvolvimento de negócios, tanto em termos de graduação, como de pós-graduação, é uma situação muito diferente da de uma universidade ou instituição onde não há essa oferta de cursos. Se sou aluno de Biologia e estudo em uma universidade onde tenho acesso a cursos de Economia ou Administração e posso fazer cursos formais para complementar minha formação em Biologia, estarei em uma situação muito diferente de outra em que monto ou participo de uma EJ e não teria aquela alternativa. Cada organização tem a sua especificidade e sua necessidade. Por outro lado, é importante vislumbrar inovação onde não havia esse horizonte. Vamos tomar um exemplo mais clássico: uma EJ que surge a partir da iniciativa de estudantes de um curso de Artes. Teoricamente, o setor de artes e o lado mais comercial seriam coisas incompatíveis, mas não é essa a realidade. Até em um campus onde o surgimento de EJs seria inusitado, você pode presenciar EJs que trabalham com a parte cultural, artística e social, e até oferecem um espaço onde o artista é incentivado a gerenciar a própria carreira como empreendedor. É o espaço onde você pode expressar e buscar competências que não se encontram na sala de aula durante a formação convencional. Na área de Ciências Sociais, fazer toda a parte de levantamento de dados é uma competência que provavelmente será desenvolvida plenamente instalando-se uma empresa para abrir esse tipo de mercado; e uma EJ pode ser o local onde um aluno de Ciências Sociais irá aprender a gerenciar, projetar atividades, gerir projetos e adquirir outros conhecimentos.
E. Existe uma tendência de as empresas e instituições, ao absorverem os profissionais recém-formados, exigirem cada vez mais competências como capacidade empreendedora, liderança e autonomia?
P.L. Há uma tendência – não somente no mercado de trabalho, mas também no âmbito social, de forma geral – de exigir que as pessoas sejam cada vez mais empreendedoras e que tenham a autonomia como uma característica empreendedora. Isso porque hoje, mesmo na mais antimercado das organizações, uma pessoa será exigida em sua capacidade empreendedora, envolvendo características como agilidade, autonomia e liderança. É uma tendência geral. A EJ, como um espaço onde o aluno desenvolve determinadas atividades, irá realmente complementar essas exigências.

O docente Paulo Lemos, da Unicamp, durante o evento Universidade Empreendedora e o Papel das EJs, no auditório térreo da Reitoria (2016)
E. As universidades públicas, em sua opinião, estão preenchendo essa condição, necessária ao profissional recém-formado?
P.L. Antes de abordar essa questão, sempre reforço a diferença entre instituição de ensino superior e universidade, pois são dois tipos de organização diferentes. A primeira tem como foco apenas o ensino; já a segunda agrega atividades de pesquisa, e isso deve ser considerado quando falamos das chances e oportunidades das EJs. A princípio, o papel da universidade depende da grade de cursos e de sua estrutura. Posteriormente, é necessário fazer a seguinte reflexão: qual é o projeto que a universidade ou a instituição de ensino superior tem para essas organizações denominadas EJs? Definições sobre a forma como essas EJs devem funcionar, dividir o trabalho e alinhar-se a atividades acadêmicas mais convencionais, dependem de projeto. Isso tudo é um passo enorme que exige a estruturação de um projeto específico para o desenvolvimento desejado, instalação, manutenção e a própria vida das EJs.
E. Qual a infraestrutura que uma universidade deve oferecer para o bom funcionamento dessas EJs?
P.L. Podemos pensar em dois níveis: o físico e o conceitual. O primeiro trata dos recursos físicos mais básicos que devem ser fornecidos pela universidade para a operacionalização das EJs. É importante que estas disponham de uma infraestrutura que permita a operação diária e a definição de identidade e endereço. Com ela, os próprios alunos integrantes das EJs podem alavancar mais recursos. Por exemplo, se eles precisarem de itens como computadores e móveis, vão ter autonomia e capacidade de adquiri-los. Já quando falamos de infraestrutura conceitual devemos pensar em ecossistema: a infraestrutura como oferta de apoio e recursos propriamente dita. O conceito tem sido bastante trabalhado no contexto atual de gestão das organizações e consiste no reconhecimento da EJ, bem como na divulgação das atividades e em sua conexão com outras organizações. Se o integrante de uma EJ precisa do contato com outra universidade, onde pretende aprender uma atividade específica e fundamental para administrá-la, como a universidade de origem vai incentivar e mediar esse contato? Esse suporte implica a valorização da EJ e o estímulo ao seu funcionamento.

Paulo Lemos
E. De que maneira a nova lei para regulamentação das EJs e organizações como o Movimento Empresa Júnior (MEJ) e Brasil Júnior podem ter contribuído para a expansão das EJs?
P.L. Podemos pensar sobre isso dentro de um contexto maior: a necessidade de haver um marco regulatório para a atuação das EJs, que pontue diretrizes jurídicas e legais, e também um marco regulatório de instituições. Movimentos como o MEJ, por exemplo, tiveram grande importância na concretização do marco regulatório, uma vez que se trata de organizações suprauniversitárias que dão diretrizes, espaço para maior troca de experiências e troca de aprendizado entre as EJs do Brasil todo, mesmo em nível estadual. Esse lado legal, portanto, já existia. Houve o reconhecimento de que as atividades desenvolvidas pelas EJs são relevantes, que demandam um arcabouço que coloca as regras para definir como elas devem funcionar. A outra questão referente ao marco é a possibilidade de atuação dos estudantes em patamar superior ao das próprias EJs. Se um estudante participa de uma EJ e depois atua no MEJ ou outra organização suprauniversitária, isso lhe proporcionará outras competências e exigirá mais quanto à coordenação de atividades e relacionamento. Os alunos mais interessados sabem que, ao se aprofundarem no mundo das EJs, sua atuação, que havia começado com elas, poderá estender-se a organizações maiores, implicando a aquisição de novas e importantes experiências para sua formação.
E. Críticos da criação de empresas juniores acreditam que essa iniciativa significa uma rendição da universidade pública ao mercado. Alegam que o empreendedorismo obedece a determinações como eficácia, produtividade e urgência, que são alheias às características inerentes à pesquisa científica de caráter público, porque esta não tem como horizonte a busca do lucro. Qual a sua opinião sobre isso?
P.L. Não existem contradições entre o conceito de EJ e o papel básico da universidade, mas sim possibilidades de conciliação. Qual é a principal missão da universidade, principalmente daquela que tem suas atividades voltadas ao ensino e à pesquisa? É a produção de conhecimento científico e tecnológico de excelência. Por isso, não podemos ser induzidos a crer que as atividades ligadas à inovação, ao empreendedorismo e à abertura da universidade atrapalhem essa missão principal, mas sim que a complementem. São atividades absolutamente conciliáveis, dependendo do propósito da universidade em gerenciá-las. Esse é um dos segredos das grandes universidades no mundo todo, as quais mantêm excelência na produção científica e tecnológica e, ao mesmo tempo, trabalham muito bem a inovação e o empreendedorismo. Como fazer isso? Apostando na prática, pois não existe uma fórmula mágica. Cada atividade deve ter seu próprio espaço.
E. Essa resistência pode estender-se à questão das patentes? Como a inovação pode sobreviver no Brasil, já que a inovação pode ser medida pela quantidade de patentes?
P.L. Certamente. Se estou numa universidade que vai partir para uma política de incentivo à propriedade intelectual de sua produção científica e tecnológica, quais serão as diretrizes dessa política? Se isso estiver claro e definido, as resistências passam a ser mais bem equacionadas, pois desse modo é possível ter uma noção melhor do que fazer com a produção científica. Outro ponto é que o aprendizado, a compreensão do processo de patenteamento pelo pesquisador favorece imensamente a abrangência do conhecimento desse cientista. Não é em toda área que a produção científica tem potencial de patenteamento, mas nas áreas favorecidas pelas patentes é evidente que, tecnicamente, o trabalho do cientista será melhor quanto mais ele souber patentear, pois terá acesso a uma base de informações ampla, mais do que se acessasse bases bibliográficas. É preciso ter bem claro o propósito assumido pela universidade em relação à sua política de propriedade intelectual. Se estiver claro, a chance de haver resistência será muito menor. É uma questão antiga, recorrente e legítima, para a qual não existe resposta pronta.

Membros da Principia Jr. ministrando palestra para os colaboradores da Basf, multinacional do ramo da Química, durante a Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (SIPAT), em São Bernardo do Campo

Parte dos membros da Principia Jr. durante dinâmica do processo seletivo de 2017

Equipe da atual gestão da Epeq Jr. (2016/2017)
E. A existência das startups está de alguma forma relacionada à das EJs?
P.L. Não são apenas as EJs que hoje estão atuando nas universidades: há uma série de organizações que estão surgindo, de forma independente. Os próprios alunos sentem que podem e devem renovar o ambiente acadêmico e – a partir dessa concepção – estão encabeçando movimentos de empreendedorismo. Na Universidade de São Paulo (USP) e na Unicamp, por exemplo, alunos montaram centros e núcleos de empreendedorismo, organizações quase informais dentro da instituição para trabalhar com essa questão, que é uma realidade. Essa renovação está em andamento e é positiva para o ambiente acadêmico – em essência, um ambiente muito dinâmico. As startups, como um movimento global, estão estimulando esses novos tipos de organização.
GES/EPPEN/Unifesp promove roda de conversa sobre empreendedorismo e sustentabilidade
Evento fará parte da programação da Virada Sustentável e acontecerá no dia 25 de agosto
O complexo estudo dos genes
Linha de pesquisa encontra mutações no gene que desencadeia a doença de Fabry, ainda não descritas na literatura; a busca por diagnósticos precoces e tratamentos mais efetivos incentivam a criação de empresa pioneira
Ana Cristina Cocolo
Entre as inúmeras doenças estudadas geneticamente no Laboratório de Biologia Molecular e Diagnóstico Molecular de Doenças Lisossomais da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp – Campus São Paulo, a doença de Fabry recebeu atenção especial da equipe de João Bosco Pesquero, químico e professor associado livre-docente da universidade. Trata-se de um distúrbio que, apesar de raro, vem sendo diagnosticado com maior frequência na população.
Também conhecida como doença de Anderson-Fabry, ela é um dos 200 distúrbios metabólicos hereditários (ou erros inatos do metabolismo) causados por um defeito enzimático. O tratamento inadequado e tardio pode levar o indivíduo à morte por falência de diferentes órgãos (veja box com detalhes sobre a doença). “A dificuldade na elaboração de um tratamento efetivo limita o número de pesquisas, pois, além de rara, a doença muitas vezes é negligenciada,”, explica Pesquero.
Um dos estudos coordenados por ele encontrou novas alterações no gene GLA na população brasileira. Esse gene é responsável pela produção da alfa-galactosidase A, enzima que, quando ausente ou deficiente no organismo, desencadeia a doença de Fabry.
A pesquisa analisou 568 indivíduos de 102 famílias com suspeita da doença e foi realizada em colaboração com Ana Maria Martins, professora do Departamento de Pediatria da EPM e coordenadora do Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo (CREIM/Unifesp). Das famílias analisadas, 51 apresentaram 38 alterações no gene GLA, sendo cinco delas mutações não descritas anteriormente na literatura (A156D, K237X, A292V, I317S, c.177_1178inscG), correlacionadas com a baixa atividade da enzima alfa-galactosidase A e com a previsão de danos moleculares.

João Bosco Pesquero (ao centro) com sua equipe no Laboratório de Biologia Molecular e Diagnóstico Molecular de Doenças Lisossomais
De acordo com Pesquero, a detecção de alterações genômicas facilita a identificação de pacientes para tratamento com enzimas recombinantes e oferece a possibilidade de realizar o diagnóstico da doença ainda no período pré-natal.
Em outra pesquisa, coordenada pela bióloga Vânia D’Almeida, professora adjunta e coordenadora do programa de pós-graduação em Psicobiologia da EPM, o grupo de Pesquero colaborou na investigação da correlação entre a presença de polimorfismos da enzima PON1 (paraoxonase) – que desempenha um papel de proteção contra a arteriosclerose – e os sintomas clínicos da doença de Fabry, que tem entre suas complicações a cardiomiopatia, acidente vascular cerebral e insuficiência renal, entre outras.
O polimorfismo é uma variação das características genéticas, neste caso, da enzima PON1. As variações estudadas em 106 pacientes com Fabry e em 26 indivíduos saudáveis foram o Gln192Arg e o Leu55Met.
Uma terceira pesquisa do grupo mostrou uma importante relação entre a enzima alfa-glicosidase A e os inibidores da enzima conversora de angiotensina, que é um dos fármacos usados no tratamento da hipertensão arterial. “Nossos estudos verificaram que o paciente com doença de Fabry, que faz reposição com a enzima alfa-galactosidase A, pode ter uma queda muito brusca da pressão arterial quando ocorre a interação medicamentosa com o anti-hipertensivo, necessitando um monitoramento mais cuidadoso durante o tratamento”, explica Pesquero. Esses resultados levaram à discussão sobre a inserção de um possível aviso na bula do medicamento usado para tratar a doença de Fabry e sobre a análise cautelosa do uso concomitante do anti-hipertensivo à base de inibidores da enzima conversora de angiotensina.
Espírito empreendedor
De acordo com Pesquero, um dos obstáculos encontrados pelos pesquisadores da área básica, institutos de pesquisa, centros médicos e laboratórios é o fornecimento de um reagente bastante comum em Biologia Molecular – chamado primer ou oligonucleotídeo –, usado no desenvolvimento de fármacos, no diagnóstico e tratamento de doenças genéticas, na biotecnologia e na agricultura. “A gama de áreas que utiliza oligonucleotídeos é extensa, mas o Brasil é carente de empresas que invistam em biotecnologia desde a matéria-prima até o desenvolvimento de reagentes”, explica. “O número de profissionais experientes para esse fim também é bastante reduzido.”
Ainda segundo ele, o material acaba vindo de fora, podendo atrasar um diagnóstico ou uma pesquisa em vários meses devido à demora na entrega ou a problemas na alfândega. “A dificuldade de importar insumos e tecnologia para a pesquisa torna impossível a competição científica e tecnológica com nossos pares em outros centros mais avançados do mundo.”
Foram as dificuldades e o espírito empreendedor que tornaram Pesquero um pioneiro nesse ramo na América Latina. A experiência e a curiosidade desenvolvidas na Alemanha – onde atuou de 1992 a 1997 –, assim como o trabalho direto com diagnóstico molecular no Brasil, levaram-no a criar, junto com seus irmãos Jorge Pesquero e Paulo Pesquero, em 2011, a empresa Exxtend, em parceria com a alemã K&A Laborgeräte, uma das maiores produtoras de equipamentos para síntese de DNA (ácido desoxirribonucleico) e RNA (ácido ribonucleico) no mundo. No ano passado outra empresa americana também passou a oferecer o serviço no Brasil.
“Uso grande parte do tempo em minhas aulas para falar de empreendedorismo, incentivando alunos nesse sentido”, afirma. “É preciso mostrar exemplos de sucesso para que se crie essa cultura, não só porque é extremamente importante para o desenvolvimento científico e biotecnológico do país, mas também para melhorar a prestação de serviços nessa área e a qualidade de vida da população.”
O DNA e o RNA são moléculas encontradas em todas as células dos seres vivos e estão envolvidas na transmissão de caracteres hereditários e na produção de proteínas recombinantes.
Atualmente, a Exxtend produz apenas reagentes de DNA, já que o investimento é muito alto para fornecer primers de RNA. “Essa molécula é muito instável e os níveis de exigência para se trabalhar com ela são bem maiores”, diz. “No entanto, pretendemos aumentar o rol de reagentes hoje oferecidos”. A empresa atende 49 universidades públicas e particulares, 27 instituições de pesquisa e 32 organizações privadas em diversas áreas de atuação.
Pesquero explica que, pelo fato de a produção do primer ser realizada no país, o produto se torna mais caro quando comparado ao importado, e o lucro é mínimo. De acordo com ele, vários fatores contribuem para isso, como as altas taxas de impostos, os insumos que precisam ser importados e a falta de empresas no ramo que ofereçam os reagentes necessários à produção dos primers, possibilitando a concorrência no mercado e, consequentemente, preços mais competitivos. “A vantagem hoje para o Brasil é a rapidez em obter um primer em dois dias, em vez de semanas”, afirma. “Cada vez mais a Genética está presente em nossas vidas, seja na Medicina, no esporte, na agricultura, na cosmética, entre tantas outras áreas. E entendê-la é primordial para o desenvolvimento de qualquer sociedade.”
Um pouco sobre a doença
A doença de Fabry é genética, hereditária e progressiva, ligada ao cromossomo X. O distúrbio é desencadeado por uma mutação no gene GLA, responsável pela produção da enzima alfa-galactosidase A, causando sua ausência ou deficiência no organismo.
A falta ou deficit dessa enzima afeta a capacidade de decomposição de uma substância adiposa específica e ocasiona prejuízos ou falência em muitos órgãos, como coração, rins, cérebro e pele, podendo levar à morte.
As manifestações clínicas da doença podem iniciar-se na infância e ter grande piora dos sintomas no decorrer da vida. O tratamento inadequado ou a ausência dele reduz a expectativa de vida de homens e mulheres em até 20 e 15 anos, respectivamente.
Apesar de rara – com prevalência descrita de um caso para grupos que podem variar entre 40 a 117 mil indivíduos – a doença pode estar subdiagnosticada devido ao número de portadores relatados na população geral.
De acordo com a Associação Brasileira de Pacientes Portadores da Doença de Fabry e seus Familiares (Abraff), no Brasil o distúrbio afeta cerca de 220 pacientes e, no mundo, estima-se que esse número ultrapasse 25 mil.
Atualmente, o principal tratamento é a terapia de reposição enzimática ou, em casos mais complexos, o transplante de rins e fígado.
A terapia gênica, ainda em estudo, pode ser, no futuro, uma das alternativas de tratamento aos portadores da doença.
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TURAÇA, Lauro Thiago; PESSOA, Juliana Gilbert; MOTTA, Fabiana Louise; MUÑOZ ROJAS, Maria Verônica; MÜLLER, Karen Barbosa; LOURENÇO, Charles Marques; JUNIOR MARQUES, Wilson; D’ALMEIDA, Vânia; MARTINS, Ana Maria; PESQUERO, João Bosco. New mutations in the GLA gene in Brazilian families with Fabry disease. Journal of Human Genetics, Yokohama: Nature Publishing Group, v.57, n.6, p.347-351, jun.2012. Publicação on-line: 3 maio 2012. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1038/jhg.2012.32 >.
BATISTA, Elice Carneiro; CARVALHO, Luiz Roberto; CASARINI, Dulce Elena; CARMONA, Adriana Karaoglanovic; SANTOS, Edson Lucas dos; SILVA, Elton Dias da; SANTOS, Robson Augusto dos; NAKAIE, Clovis Ryuiche; MUÑOZ ROJAS, Maria Verônica; OLIVEIRA, Suzana Macedo de; BADER, Michael; D’ALMEIDA, Vânia; MARTINS, Ana Maria; PICOLY SOUZA, Kely de; PESQUERO, João Bosco. ACE activity is modulated by the enzyme α-galactosidase A. Journal of Molecular Medicine, Berlim: Springer, v. 89, n.1, p. 65-74, jan. 2011. Publicação on-line: 13 out. 2010. Disponível em: < rd.springer.com/article/10.1007/s00109-010-0686-2 >.
Radiação na medida certa
Mais compacto e baratos. Essas são algumas das vantagens do equipamento e dos dosímetros desenvolvidos por pesquisadores da Unifesp.
Ana Cristina Cocolo
Um grupo de pesquisadores do Departamento de Ciências do Mar do Instituto de Saúde e Sociedade da Unifesp – Campus Baixada Santista – desenvolveu um novo equipamento, simples e portátil, que possibilita a leitura das porções de radiação acumuladas em dosímetros ou em sedimentos (quartzo feldspato) usando a técnica de Luminescência Opticamente Estimulada (LOE). A tecnologia utilizada é totalmente nacional.
A LOE é utilizada tanto na medicina – para monitorar a dose de radiação a qual pacientes, profissionais da saúde e da educação podem receber em sessões de radioterapias, centros de radiodiagnósticos e de pesquisas – quanto na arqueogeocronologia. Essa é a ciência que utiliza um conjunto de métodos de datação usados para determinar a idade de cerâmicas arqueológicas, rochas, fósseis, sedimentos e os diferentes eventos da história da Terra. O princípio físico do método baseia-se no fato de que a intensidade da luz emitida pelos dosímetros é proporcional à porção de exposição à radiação.
O novo equipamento de leitura de dosímetro – projetado pelos físicos Sonia Hatsue Tatumi e Juan Carlos Ramirez Mittani e pelo tecnólogo em mecânica de processos de produção, Márcio Yee – utiliza a Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) emitida após impulso com comprimento de onda apropriado (470 ou 532nm) a partir de LEDs. É mais compacto e utiliza um aparato eletrônico mais simples que os atualmente disponíveis no mercado, que necessitam de um controle eletrônico de aquecimento (técnica de termoluminescência). “Nosso equipamento ilumina ao invés de aquecer. É um processo mais moderno, eficiente e barato”, afirma Sonia. “O sistema de aquecimento exige um aparelho bem maior, depende de partes eletrônicas caras e de mais tempo para a leitura e análise”.
O preço final do equipamento também chama atenção. Os equipamentos modernos de termoluninescência, de acordo com Mittani, custam, em média, R$ 500 mil no mercado internacional. O desenvolvido na Unifesp chegará ao mercado por um valor 25 vezes menor: R$ 20 mil.
Já os dosímetros confeccionados pelo grupo – que antes necessitavam ser importados –, têm alta sensibilidade, resposta linear independente da energia de radiação, podem ser reutilizáveis e custam 50% menos. Também podem ser produzidos conforme os diferentes usos e tipos de radiações. Esses dispositivos são fabricados em materiais cerâmicos constituídos de policristais de Óxido de Alumínio (Al2O3), Tetraborato de Magnésio (MgB4O7) e Óxido de Magnésio (MgO), dopados com terras-raras e semimetais.
O grupo tem estudado estes materiais e descobriu que são formados por nanocristais, constituídos por dopantes, que se localizam na superfície dos grãos das matrizes. Grande parte da LOE emitida por esses materiais advém dos nanocristais.
O projeto, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), culminou em depósito de patente no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). O processo de registro na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) está em fase de elaboração e o patrocínio para produção em escala industrial e comercialização no país deve ocorrer ainda este ano, de acordo com os pesquisadores.
Dosímetro - equipamento LOE
(luminescência opticamente estimulada)


Esquema do pequeno equipamento LOE. No processo de medida, a amostra previamente irradiada é colocada dentro da câmara que se encontra vedada a luz externa. O sistema de estimulação óptica (LEDs) e o sistema de detecção (fotomultiplicadora PMT) são acionados simultaneamente através do computador. A luminescência da amostra (produto da estimulação óptica) que atinge o PMT é registrada pelo contador de fótons e reproduzida em um gráfico da intensidade luminescente (número de fótons) em função do tempo, realizado no software do computador.
Fim do descarte de radiografias

Os autores da pesquisa, Sonia Hatsue Tatumi e, ao lado do equipamento projetado, Márcio Yee e Juan Carlos Ramirez. Todos são professores do Campus Baixada Santista.

Os novos dosímetros desenvolvidos pelos pesquisadores podem ser reutilizáveis e custam 50% menos.

A dosimetria na arqueologia indica a idade de fósseis e a flutuação do nível de rios e mares por meio da análise da radiação em sedimentos de colúvios, dunas e terraços marinhos.
Mittani explica que outras aplicações para os dosímetros estão em fase de testes. Uma delas é a utilização deles em chapas de
raios-x. “Hoje, os filmes revelados comumente usados nas radiografias são descartados e nada sustentáveis ao meio ambiente, pois não podem ser jogados com o lixo comum, já que há materiais tóxicos que contaminam o solo e a água”, diz. “Pretendemos criar filmes dosimétricos, os quais, após serem expostos ao raio-x nos pacientes, serão estimulados com luz para a obtenção da informação (imagem)”.
As vantagens do uso deste tipo de filme é que a informação fica armazenada no computador e os filmes podem ser reutilizados muitas vezes sem perder resolução de imagem.
Dosimetria in vivo
Também é estudada a aplicação na radioterapia, especificamente para monitorar e saber a dose de radiação instantânea que se está aplicando em um paciente em tratamento contra câncer. “Estamos desenvolvendo dosímetro de tamanho miniaturizado (µm), o qual será acoplado em uma fibra óptica muito fina e introduzido no corpo do paciente até a região onde se encontra o câncer, antes do início da sessão de radioterapia”, afirma. “Esse dosímetro medirá a quantidade de radiação exata necessária ao paciente e será de grande importância, já que permitirá controlar o tratamento de maneira a minimizar os danos a tecidos próximos e sadios”.
Técnica pioneira no Brasil
De acordo com a física Sonia Tatumi, o uso da LOE na dosimetria teve início nos anos 1980, com a determinação da dose de radiação acumulada em minerais de quartzo e feldspato na datação de sedimentos na geologia e de fósseis na arqueologia, utilizando a luz de um laser de argônio.
No Brasil, a técnica foi introduzida de forma pioneira, em 2003, por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC-SP), liderado por Sonia, com a participação de Márcio Yee. Foi feita a indicação da idade de sedimentos de colúvios – solos compostos por minerais, principalmente de quartzo –, dunas e terraços marinhos em quase todo o litoral brasileiro.
Em 2013, quando ambos já eram professores da Unifesp, esse trabalho foi realizado em terraços fluviais dos rios Negro, Amazonas e Madeira, que banham os estados do Amazonas e Rondônia. “Quanto maior a intensidade da luz emitida pelo sedimento dos terraços, maior o tempo de deposição do mesmo”, explica a pesquisadora. “Dessa forma, os geólogos têm como comparar a idade com a altura das amostras de sedimentos recolhidas para estudar a flutuação do nível dos rios.”
Atualmente, o grupo colabora com pesquisas realizadas por geólogos e arqueólogos em diversas universidades do país. Essas cooperações resultarão em projetos de iniciação científica de alunos do Curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciências e Tecnologia do Mar (BICT-Mar) do Campus Baixada Santista.
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FIORE, M.; SOARES, E.A.A.; MITTANI, J.C.R.; YEE, M.; TATUMI, S.H. OSL dating of sediments from Negro and Solimões rivers - Amazon, Brazil. Radiation Physics and Chemistry, [s.l.]: Elsevier, v. 95, p. 113-115, fev. 2014.
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