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Pesquisa realizada em parceria com universidade da Itália revela como tratamento celular pode ser eficaz; estudo acaba de ser divulgado na revista AIDS Research and Therapy

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Aplicação na Farmacologia de técnicas emprestadas da Engenharia de Materiais permite explicar e resolver a dificuldade de bioabsorção pelo corpo humano do ativo Efavirenz, utilizado no “coquetel” contra o HIV

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Texto: Valquíria Carnaúba

Em 2013, Silvia Lucia Cuffini recebeu lotes do medicamento genérico Efavirenz (EFV), cuja patente original pertence ao laboratório Merck Sharp & Dohme. O fármaco, administrado no tratamento antiviral de adultos, adolescentes e crianças infectados pelo vírus da imunodeficiência humana tipo I (HIV-1), é fornecido por duas instituições brasileiras que o produzem desde 2007: o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) e o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco Governador Miguel Arraes (Lafepe). Pesquisadora e professora adjunta do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT/Unifesp) - Campus São José dos Campos, Cuffini percebeu que tinha em mãos um enigma a ser desvendado: dos seis lotes de EFV, aprovados em todos os controles farmacêuticos de rotina da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um não havia passado no teste de bioequivalência, algo inexplicável de acordo com o conhecimento atual.

Bioequivalência, quando tratamos de medicamentos, significa a capacidade de um genérico exercer em um paciente o mesmo efeito que o original. Essa comprovação é fornecida por meio de testes in vitro e in vivo, cada um com suas particularidades. O estudo in vitro (literalmente, “em vidro”) envolve experiências realizadas fora de qualquer organismo vivo e permite acompanhar um processo bioquímico em ambiente "simplificado". Apesar de muito úteis, estudos in vitro são obviamente limitados, já que em um organismo vivo ocorrem inúmeros outros processos que podem interferir na ação de uma substância. Por isso, nenhuma conclusão pode ser extraída antes dos estudos in vivo (ou seja, realizados em organismos vivos). 

Nessa etapa, alguns lotes do EFV revelaram grande dificuldade de absorção pelo organismo humano, ao contrário do observado nos testes in vitro. “O corpo não espera, possui seu metabolismo, e o caminho natural dos itens que não são absorvidos a tempo é seu descarte pelo organismo”, explica a docente. O princípio ativo do EFV compõe o “coquetel” antiaids, fornecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1996; integra um combinado de 21 medicamentos que atuam no combate ao HIV, impedindo que o vírus se reproduza e diminua a defesa do paciente. 

Nove desses medicamentos são produzidos no país, entre os quais o EFV, que desde 2007 é sintetizado pelo Farmanguinhos, após licenciamento compulsório autorizado pelo governo federal. Chamado também de “quebra de patente”, o licenciamento compulsório é um mecanismo acionado por órgãos governamentais em casos de interesse público, que autoriza um terceiro a explorar o objeto patenteado sem o consentimento prévio do detentor da patente. O caso do EFV é inédito no Brasil e na América Latina – uma conquista que contribuiu efetivamente para o barateamento do fármaco, que pôde ser produzido em território nacional. 

Quando tomou conhecimento dos fatos, Cuffini descartou fatores como pureza química, tamanho de partículas e polimorfismo (mesma composição e diferentes organizações atômicas). Como atua em Engenharia de Materiais – uma área aparentemente desconectada da Farmacologia –, observou que a microestrutura causa mudanças significativas nas propriedades físico-químicas de alguns materiais. “Essa poderia ser uma possibilidade já que é um ensaio comum na área de materiais metálicos e cerâmicos. Muitas partículas continham moléculas cuja estrutura cristalina lembrava a de cerâmicas, com elevada dureza, resistência a altas temperaturas e grande fragilidade. Pense em um tijolo de cerâmica e no pó que produz: qual deles dissolve mais rápido? Certamente, o pó”, argumenta. Tais discrepâncias moleculares – segundo ela – surgem ainda na síntese da matéria-prima do medicamento. 

Ainda que a baixa solubilidade seja um ponto crítico dos fármacos, a pesquisadora considera que a análise microestrutural permanece restrita à área de Engenharia de Materiais e é pouco praticada pela indústria farmacêutica. Nesse contexto, todos os lotes foram considerados seguros para consumo por não apresentarem, em tese, nenhum problema de fabricação. “Para confirmar minha dedução, tive de recorrer, inclusive, aos especialistas em estudo de microestruturas da Universidade de Trento (Itália) – Luca Rebuffi, Cristy Leonor Azanza Ricardo e Paolo Scardi –, que forneceram os equipamentos necessários para avaliar os lotes de EFV ‘suspeitos’ e que ensinaram como efetuar essa análise.”

Para a docente, a ausência de bioequivalência significa, sobretudo, um risco à vida da população que depende do referido medicamento. Entretanto, a melhora nos controles pode assegurar a reprodutibilidade em sua qualidade. O estudo, realizado em parceria com pesquisadores de várias instituições, rendeu importantes premiações no 9° Encontro Nacional de Inovação em Fármacos e Medicamentos (ENIFarMed/ 2015) e no 3rd International Symposium on Challenges and New Technologies in Drug Discovery & Pharmaceutical Production (Farmanguinhos - Fiocruz/ 2015), além do 1º lugar no Prêmio de Incentivo em Ciência, Tecnologia e Inovação para o SUS/ Categoria - tese de doutorado (Ministério da Saúde/2017).

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Descobrir como a estrutura cristalina de moléculas afeta a solubilidade e o efeito do Efavirenz em pacientes acometidos pela aids rendeu às pesquisadoras Silvia Cuffini (à esq.) e Cinira Fandaruff (à dir.), pertencentes – nessa ordem – à Unifesp e à UFSC, o 1º lugar no Prêmio de Incentivo em Ciência, Tecnologia e Inovação para o SUS (2017), na categoria de tese de doutorado

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Representação da estrutura da molécula de Efavirenz (Imagem: Fvasconcellos / Wikimedia commons)

Caracterização microestrutural

Cuffini apostou em duas formas de caracterização, bastante utilizadas na ciência de materiais, a estrutural e a microestrutural, juntamente com os pesquisadores que colaboraram no estudo: Cinira Fandaruff e Marcos Antônio Segatto Silva, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Danilo Cesar Galindo Bedor e Davi Pereira de Santana, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Helvécio Vinícius Antunes Rocha, do Laboratório de Sistemas Farmacêuticos Avançados do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/ Fiocruz); Luca Rebuffi, Cristy Leonor Azanza Ricardo e Paolo Scardi, da Universidade de Trento (Itália).

Para a análise estrutural, valeram-se de diversas técnicas de foco nas dimensões moleculares, a saber: difração de raios X em pó (XRPD), calorimetria exploratória diferencial (XRPD) e espectroscopia no infravermelho (FTIR). Entretanto, o tamanho médio das partículas de EFV não foi suficiente para explicar os perfis de dissolução (in vitro) ou os resultados de bioequivalência (in vivo) do medicamento. “Todos os seis lotes seriam aprovados com os ensaios convencionais para a análise de matéria-prima antes da produção”, assegura a docente. 

Já a análise microestrutural trouxe respostas mais completas. Para tanto, os pesquisadores apostaram no modelamento total do padrão de difração em pó (em inglês, whole powder pattern modelling), técnica de investigação microestrutural de materiais nanocristalinos que conta com o aporte do software 

PM2K, desenvolvido pela Universidade de Trento, especificamente para utilização em casos similares. Com essa técnica, foi possível detectar os valores médios de tamanho e a distribuição dos domínios cristalinos nas partículas de EFV. “A difração de raios X é sensível ao tamanho dos domínios cristalinos (ou cristalitos), que são as regiões mais cristalinas devido a uma organização das moléculas a longo alcance”, relata Cuffini. 

“A dissolução e a biodisponibilidade de matérias-primas e produtos farmacêuticos têm sido tradicionalmente correlacionadas com várias características físico-químicas, como cristalinidade, polimorfismo, tamanho de partícula, carga de superfície molecular (presença de íons), densidade e porosidade, para citar algumas, fatores ainda desconsiderados por analistas e formuladores farmacêuticos”, acrescenta. A discussão sobre a correlação do tamanho das nanopartículas com a dissolução e a solubilidade é – para ela – muito recente e deve abrir um novo e amplo campo interdisciplinar entre a Engenharia de Materiais e a Farmacologia.

Tamanho de partículas e disposição espacial são coisas bem diferentes...

A pesquisadora Silvia Lucia Cuffini, do ICT/Unifesp, elucida um aspecto importante para a compreensão da ciência de materiais e, por conseguinte, de seu trabalho de análise do Efavirenz. A princípio, é necessário pontuar que os materiais sólidos podem ser classificados de acordo com a regularidade na qual os átomos ou íons se dispõem em relação a seus vizinhos. Caso os átomos estejam ordenados sobre longas distâncias, formando uma estrutura tridimensional chamada rede cristalina, são denominados materiais cristalinos. Normalmente se encaixam nessa categoria os sais, os metais e a maior parte dos minerais. São considerados amorfos (não cristalinos) os materiais em que inexiste ordem de longo alcance na disposição dos átomos. As partículas de todos os materiais cristalinos, inclusive as matérias-primas de insumos farmacêuticos, apresentam uma estrutura cristalina e uma nanoestrutura.

Estrutura cristalina Nanoestrutura
Determina as posições dos átomos, moléculas, íons etc., podendo também ser indicadas as distâncias, os tipos de interação inter e intramolecular e as conformações moleculares Determina o tamanho das áreas cristalinas, denominadas domínios cristalinos ou cristalitos
Medidas utilizadas: escala ångström (Å)
1 Å = 10-10 m
Medidas utilizadas: escala nanométrica (nm)
1 nm = 10-9 m
Material cristalino: aquele no qual os átomos encontram-se ordenados sobre longas distâncias formando uma estrutura tridimensional chamada rede cristalina Material amorfo: aquele cuja estrutura não possui ordenação espacial a longa distância

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FANDARUFF, Cinira; RAUBER, Gabriela S.; ARAYA-SIBAJA, Andrea M.; PEREIRA, Rafael N.; CAMPOS, Carlos E. M. de; ROCHA, Helvécio V. A.; MONTI, Gustavo A.; MALASPINA, Thaciana; SILVA, Marcos A. S.; CUFFINI, Silvia L. Polymorphism of anti-HIV drug Efavirenz: investigations on thermodynamic and dissolution properties. Crystal Growth & Design, Washington, DC: ACS Publications, v. 14, n. 10, p. 4.968-4.975, out. 2014. Disponível em: <https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/cg500509c >. Acesso em: 29 mar. 2019.

FANDARUFF, Cinira; SILVA, Marcos Antônio Segatto; BEDOR, Danilo Cesar Galindo; SANTANA, Davi Pereira de; ROCHA, Helvécio Vinícius Antunes; REBUFFI, Luca; RICARDO, Cristy Leonor Azanza; SCARDI, Paolo; CUFFINI, Silvia Lucia. Correlation between microstructure and bioequivalence in anti-HIV drug Efavirenz. European Journal of Pharmaceutics and Biopharmaceutics, [s.l.], v. 91, p. 52-58, abr. 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.ejpb.2015.01.020 >. Acesso em: 29 mar. 2019.

FANDARUFF, Cinira; CHELAZZI, Laura; BRAGA, Dario; CUFFINI, Silvia Lucia; SILVA, M. A. S.; RESENDE, Jackson A. L. C.; DICHIARANTE, Elena; GREPIONI, Fabrizia. Isomorphous salts of anti-HIV Saquinavir Mesylate: exploring the effect of anion-exchange on its solid-state and dissolution properties. Crystal Growth & Design, Washington, DC: ACS Publications, v. 15, n. 11, p. 5.233-5.239, nov. 2015. Disponível em: <https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/acs.cgd.5b00696 >. Acesso em: 29 mar. 2019.

KUMINEK, G.; RODRÍGUEZ-HORNEDO, N.; SIEDLER, S. ; ROCHA, H. V. A.; CUFFINI, S. L.; CARDOSO, S. G. How cocrystals of weakly basic drugs and acidic coformers might modulate solubility and stability. Chemical Communications, [s.l.], v. 52, n. 34, p. 5.832-5.835, mar. 2016. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1039/C6CC00898D >. Acesso em: 29 mar. 2019.

 
Publicado em Edição 11
Segunda, 24 Junho 2019 10:33

Prova de fogo

Aplicação de uma superterapia deixou não detectável o HIV nas células e tecidos dos corpos de pacientes, como mostram análises do sangue e biópsias do intestino - um dos órgãos onde as drogas pouco agem contra o vírus; o próximo passo é retirar os medicamentos e acompanhar a reincidência ou não da moléstia

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Imagem: pixabay

 

Texto: Ana Cristina Cocolo

O primeiro estudo – em escala global, a testar um supertratamento em indivíduos cronicamente infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) entra em sua fase mais importante – antes de se falar em cura.

O supertratamento, que consistiu na administração de cinco medicamentos diferentes e três doses de uma vacina personalizada – fabricada com células do próprio paciente – foi capaz de tornar não detectável o vírus em dois dos cinco voluntários do subgrupo de estudo que recebeu essa abordagem terapêutica. A comprovação do feito ocorreu por meio de exames de sangue e biópsias do intestino reto, um dos órgãos considerados “santuários” do HIV. Assim como o intestino, também são considerados “santuários” o cérebro, os ovários e os testículos, uma vez que os antirretrovirais não chegam até esses locais ou, quando chegam, atuam de forma muito modesta sobre o vírus. 

“O desafio final é suspender todos os medicamentos dos pacientes e monitorar como o organismo de cada um irá reagir ao longo das semanas, meses ou, até mesmo, anos”, afirma o infectologista Ricardo Sobhie Diaz, que coordena a atividade científica em questão e é uma das referências mundiais no assunto. “Caso o tempo nos mostre que o vírus não voltou, poderemos, então, falar em cura.”

Diaz é diretor do Laboratório de Retrovirologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM/ Unifesp) - Campus São Paulo e há mais de dez anos vem trabalhando com sua equipe, em duas frentes, para a cura da doença. Uma delas utiliza medicamentos e substâncias que matam o vírus no momento da replicação e eliminam as células em que o HIV fica adormecido (latência); a outra desenvolve uma vacina que leva o sistema imunológico a reagir e eliminar as células infectadas às quais o fármaco não é capaz de chegar.

Como foi realizado o estudo

A pesquisa envolveu 30 voluntários com HIV e carga viral indetectável no plasma sanguíneo há mais de dois anos, mantidos sob tratamento padrão, conforme o que é atualmente preconizado: a combinação de três tipos de antirretrovirais, mais conhecida como “coquetel”. Esses voluntários foram divididos em seis subgrupos, recebendo – cada um deles – diferentes combinações de remédios, além do próprio “coquetel”, pelo período de um ano.

Para os integrantes do subgrupo de número seis (G6), que apresentou os melhores resultados até o momento, foram administrados mais dois antirretrovirais: o dolutegravir, a droga mais forte atualmente disponível no mercado; e o maraviroc, que força o vírus, antes escondido, a aparecer. 

Os voluntários também receberam duas outras substâncias que potencializaram o efeito desses dois medicamentos: a nicotinamida – uma das duas formas da vitamina B3 –, que mostrou ser capaz de impedir que o HIV se escondesse nas células; e a auranofina – um antirreumático, também conhecido como sal de ouro, que deixou de ser utilizado há muitos anos para tratar a artrite reumatoide e outras doenças reumatológicas. A auranofina revelou potencial para encontrar a célula infectada e levá-la, literalmente, ao suicídio.

“Um dos motivos pelos quais não conseguimos curar o HIV é que o vírus consegue desligar a célula (latência), e o remédio de que dispomos atualmente só age na hora em que o vírus se está multiplicando”, explica o infectologista. “No entanto, as células que o HIV é capaz de fazer adormecer sempre irão acordar. Quando tratamos uma pessoa e retiramos o remédio, dois meses depois, em média, o vírus volta porque uma das células acorda. ” 

Diaz acrescenta que os testes anteriores in vitro e, agora, em humanos, realizados de forma inédita por sua equipe, confirmam que a nicotinamida é mais eficiente contra a latência quando comparada ao potencial de dois medicamentos administrados para esse fim e testados conjuntamente.

Apesar da descoberta da nicotinamida e da auranofina para a redução expressiva da quantidade de vírus presentes nas células humanas, ainda seria preciso algo estratégico que ajudasse a imunidade do paciente contra o vírus. Para isso, os pesquisadores desenvolveram uma vacina de células dendríticas (DCs), que conseguiu “ensinar” o organismo do paciente a encontrar as células infectadas e destruir uma a uma, eliminando completamente o vírus HIV.

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Ricardo Diaz  explica que o supertratamento foi capaz de diminuir o processo inflamatório desencadeado pelo HIV no organismo (Imagem: Alex Reipert/DCI-Unifesp)

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As vacinas foram personalizadas – fabricadas com células do próprio paciente – e aplicadas em três doses distintas, ou seja, uma dose a cada duas semanas (Imagens: Alex Reipert/DCI-Unifesp)

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A vacina

A vacina de DCs é extremamente personalizada já que é fabricada a partir de monócitos (células de defesa) e peptídeos (biomoléculas formadas pela ligação de dois ou mais aminoácidos) do vírus do próprio paciente.

Diaz ressalta que as DCs são importantes unidades funcionais do sistema imunológico cuja tarefa é capturar microrganismos prejudiciais ao organismo para, em seguida, apresentá-los aos linfócitos T CD4 e T CD8. Uma vez apresentados, esses linfócitos, que participam do controle de infecções, aprendem a encontrar e matar as células que albergam o HIV em regiões do corpo aonde os antirretrovirais não chegam ou nas quais pouco atuam. 

“Como essas pessoas estão há muito tempo com a carga viral indetectável, o corpo perde aos poucos a capacidade de eliminar as células infectadas pelo HIV”, relata o pesquisador. “Precisamos realizar citafereses com a passagem de seis volemias (volume total de sangue que circula no corpo) em cada uma delas para conseguir retirar monócitos suficientes para transformá-los em DCs.”

A citaferese é uma espécie de filtragem de todo o sangue do corpo, efetuada por uma máquina que seleciona células específicas. Ao mesmo tempo em que o sangue é retirado de um dos braços, por meio de um cateter, é devolvido ao outro por meio da corrente sanguínea, após passar por aquele equipamento.

Depois de transformar os monócitos em DCs, Diaz e sua equipe analisaram o perfil genético de cada paciente, tendo desenvolvido um software que identificava quais peptídeos dos vírus reagiriam de acordo com os sistemas imunes específicos. “Com as células dendríticas preparadas e os peptídeos dos vírus de cada paciente, preparamos a vacina personalizada, que foi aplicada em três doses, sendo uma dose a cada duas semanas”, prossegue o expositor. “Para sabermos se a vacina funcionaria, ou seja, se ela estimularia as células CD4 e CD8 do paciente a reconhecer o vírus, fizemos os testes in vitro. O procedimento, considerado um sucesso, mostrou que a vacina foi imunogênica nessas condições.” 

De acordo com Diaz, o supertratamento também foi capaz de diminuir o processo inflamatório desencadeado pelo HIV no organismo. “Esse foi outro grande achado do estudo, uma vez que a inflamação provoca degeneração de órgãos e tecidos e o envelhecimento precoce nessas pessoas.” 

O “paciente de Berlim”

Supostos casos de cura do HIV rodam pelo mundo e ainda são temas de estudo e controvérsia entre especialistas. Entretanto, a primeira e única experiência de cura do HIV foi a do americano Timothy Ray Brown, hoje com 52 anos, conhecido como o “paciente de Berlim”. 

Em 2007, Brown, que era HIV positivo e morava na Alemanha, foi diagnosticado com leucemia e submetido a dois transplantes de células-tronco. Além da compatibilidade, os médicos escolheram um doador que possuía uma mutação capaz de inibir as células de expressarem a molécula CCR5. De acordo com especialistas, essa rara condição genética – herdada por apenas 1% das pessoas com ascendência europeia e ainda mais rara em outras populações – impede o vírus de infiltrar-se nas células, conferindo a seu portador resistência à infecção pelo HIV. 

Três anos após o primeiro procedimento e sem a terapia antirretroviral, Brown não apresentava o vírus HIV no sangue e nos fragmentos de tecidos, conforme as várias biópsias realizadas. No entanto, ele teve duas sérias complicações decorrentes dos transplantes. Uma delas foi a doença do enxerto contra o hospedeiro (Dech) – síndrome sistêmica que ocorre em pacientes que recebem linfócitos imunocompetentes. A outra denominou-se leucoencefalopatia multifocal progressiva, que corresponde a uma doença neurológica rara que lesiona as bainhas de mielina – estruturas formadas por proteínas e gorduras que recobrem os axônios e ajudam na condução dos impulsos nervosos no sistema nervoso central. Tais fatos levaram os pesquisadores a questionar se a cura do HIV em Brown deveu-se ao transplante das células resistentes ou à doença do enxerto contra o hospedeiro que o acometeu. 

Alerta ligado, sempre!

Dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) mostraram que 36,7 milhões de pessoas em todo o mundo viviam com HIV em 2016 e quase dois milhões seriam infectados no mesmo ano. No Brasil, o Ministério da Saúde contabilizou, até junho de 2016, quase 843 mil casos da doença, cuja maioria era constituída por homens (65,1%); o país é o que mais concentra novos casos de infecções (49%) na América Latina, segundo a Unaids. Um terço das novas infecções ocorre em jovens de 15 a 24 anos.

A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) é uma doença do sistema imunológico, causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), que torna uma pessoa mais propensa às doenças oportunistas – e, até mesmo, ao câncer – do que outra cujo sistema imunológico esteja saudável. As principais vias de transmissão do HIV são as relações sexuais desprotegidas, as transfusões com sangue contaminado, o compartilhamento de seringas entre usuários de drogas injetáveis e a disseminação de mãe para filho, durante a gravidez, parto ou amamentação.

“Apesar da evolução no tratamento com antirretrovirais e das campanhas preventivas, os números atuais sobre a doença apontam que a aids ainda é um grave problema de saúde pública global”, resume Diaz.  “A infecção por esse vírus ainda é a pior notícia que podemos dar ao paciente em termos de doenças sexualmente transmissíveis, já que a pessoa com HIV, mesmo com carga viral indetectável, passa por inúmeros processos inflamatórios decorrentes dos efeitos colaterais dos medicamentos."

O uso de preservativos durante a relação sexual garante a proteção contra o HIV e outras doenças graves para quem não tem o vírus e principalmente para quem já o tem. “Atualmente, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos afirma que pessoas com carga viral indetectável não transmitem HIV. A falta de proteção pode, porém, acarretar ao indivíduo com o vírus controlado a reinfecção (superinfecção) por um tipo diferente de vírus HIV ou por outro mais resistente”, conclui o pesquisador.

“Nossa” vacina de células dendríticas personalizada

1 - Citaferese para retirada de monócitos

2 - Transformação in vitro de monócitos em células dendríticas (DCs)

3 - Exposição, in vitro, das DCs aos peptídeos sequenciados do genoma do vírus HIV

4 - Três doses de vacina

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SAMER, Sadia; NAMIYAMA, Gislene; OSHIRO, Telma; ARIF, Muhammad Shoaib; SILVA, Wanessa Cardoso da; SUCUPIRA, Maria Cecilia Araripe; JANINI, Luiz Mario; DIAZ, Ricardo Sobhie. Evidence of noncompetent HIV after ex vivo purging among ART-suppressed individuals. Aids Research and Human Retroviruses, New Rochelle, NY: Mary Ann Liebert, Inc., v. 33, n. 10, p. 993-994, out. 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.1089/aid.2017.0036 >. Acesso em: 6 jun. 2018.

 
Publicado em Edição 11
Medo de levantar suspeita sobre a infecção sexualmente transmissível (IST) e rejeição são os principais motivos relatados

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